Por Sérgio Diniz, presidente da Triple A – Advisor e membro da Diretoria Vogal do IBEF SP.
Ao longo da carreira como CFO, é provável que você enfrentará situações de “crise” em algumas das empresas em que atuar. Já passei por isso enquanto líder de finanças (inclusive no meio do olho do furacão da crise bancária de 2008!), tanto que nos últimos anos resolvi focar minha atuação em “interim management” especializado em situações de crise. Com base nas experiências práticas vividas e observadas em empresas em que trabalhei ou clientes, gostaria de compartilhar alguns aprendizados sobre este tema.
Dada a limitação de espaço, este artigo terá foco em três pontos de caráter prático considerados relevantes: a gestão do caixa, a rentabilidade da operação e o posicionamento do CFO perante a crise e as oportunidades de carreira.
Falhas na gestão do caixa
Na grande maioria dos casos em que atendemos a uma empresa em crise, a mesma invariavelmente apresenta problemas de caixa. Isso é de certa forma esperado, pois a crise tende a afetar diretamente o caixa na maioria dos negócios.
Mas a surpresa é que muitas vezes o problema vem da área financeira, tida como a guardiã do caixa. Encontramos empresas de médio e até de grande porte sem um fluxo de caixa diário integrado às operações, agravando ainda mais a crise, pois o caixa é simultaneamente um misto de termômetro (saúde da empresa) e uma bússola (sua direção), de maior visibilidade no curtíssimo prazo, fundamental para a navegação em águas turbulentas.
Um dos erros mais comuns é a falta de fluxo de caixa com visão escalada: de curtíssimo prazo (dos próximos trinta dias, com visão diária), curto (para os próximos sessenta dias, com visão semanal detalhada) e médio prazo (para o restante dos doze meses, com visão semanal se possível ou pelo menos mensal).
Por incrível que pareça, há empresas com faturamento bilionário que não possuem essa visão, usam só uma planilha de Excel!
Outro erro menos aparente, mas muito comum, é a desvinculação das projeções de caixa com a realidade da empresa. Ou seja, muitas vezes o Tesoureiro ou CFO faz o plano apenas com base em sua experiência (ou falta de!), sem amarrar as principais variáveis com o negócio. Falta o uso de modelos testados que reproduzam o ciclo produtivo do negócio e estejam atrelados ao mesmo.
Tal situação foi testemunhada tanto em empresas nacionais como multinacionais, médias e grandes, que, com frequência, necessitam que o fluxo de caixa seja totalmente refeito, tanto para a gestão do negócio, quanto para uma possível transação de M&A – que muitas vezes faz parte da solução para a saída da crise.
São coisas relativamente básicas às quais um bom CFO deve estar sempre atento, principalmente em momentos de crise. É preciso tomar as rédeas do caixa, com elaboração de um modelo que tenha granularidade de informações, seja testado e reproduza o comportamento futuro com razoável precisão.
O fluxo deve atender ao básico em um primeiro momento, mas pode e deve se sofisticar ao longo do tempo. A criação de modelos estatísticos nas previsões de vendas e recebimentos, especialmente em empresas com cobrança pulverizada, e integração ao ERP (e não só Excel) para gastos produtivos são alguns exemplos.
“Cash is king”, como dizem os anglo-saxões.
A rentabilidade da operação: erros e oportunidades
Durante a crise, é normal que o volume de vendas seja afetado, o que exige um nível de eficiência operacional maior para compensar tais efeitos e sobreviver em períodos difíceis.
Além da tradicional redução de despesas administrativas, por onde normalmente as empresas começam (fora o tradicional “vamos cortar o cafezinho”), o CFO moderno deve concentrar-se no “core business”, ou seja, no coração da operação. Em resumo, analisar onde a empresa de fato ganha dinheiro e onde perde, aperfeiçoar os mecanismos e ajustá-los às condições mais severas de mercado para maximização dos resultados.
De forma simplificada, há dois caminhos por onde o CFO pode contribuir para a melhoria da rentabilidade da empresa: na linha de receitas, melhorando as margens e precificação; e na linha de custos, aprimorando a metodologia de custeio e reduzindo custos.
Os CFOs normalmente focam na última parte, custos, onde se sentem mais confortáveis e muitas vezes possuem ferramentas de custeio que ajudam em suas análises.
Porém, em momentos de crise, deve-se ir além, muito além. A própria situação de crise abre novas portas para o CFO: muitas companhias, por incrível que possa parecer (especialmente nas familiares), têm áreas de precificação ligadas a produtos e até mesmo vendas, com pouca ou mesmo nenhuma participação relevante do CFO.
Em uma empresa multinacional de porte médio atendida, o caso era exatamente este: a empresa estava sem caixa e uma das razões era o custeio incorreto e a má precificação, induzindo a operação ao erro, por celebrar grandes contratos com margens e fluxos financeiros ruins que drenavam seu caixa.
O CFO anterior tinha pouco acesso à área de precificação, e o mesmo acabou aceitando a situação, o que levou a grandes perdas não contabilizadas em projetos ao longo do tempo.
Em tempos de crise, não pode haver área “tabu” para o CFO, que deve levar este assunto com muita habilidade e persistência à alta administração.
A crise pode ser a oportunidade de quebrar muitas das barreiras culturais e desnudar as “vacas sagradas” de cada empresa. Use a crise como forma de justificar a lupa de aumento nas áreas obscuras e poucos transparentes do negócio.
O posicionamento do CFO perante a crise e as oportunidades de carreira
Como dito acima, a crise é também momento de grandes oportunidades para os bons profissionais. Especialmente para os CFOs, pois estes têm um poder único derivado do amplo acesso aos dados, ao coração do negócio.
O CFO deve prontamente atuar em questões-chave, onde se ganha e onde se perde dinheiro (P&L e caixa!), ao mesmo tempo em que mantém a rotina rodando.
Para isso, é fundamental ter uma equipe boa e coesa. Se você não fez ainda os ajustes necessários em sua equipe, a crise é o momento para realizar isso: não só reduzir custos com pessoal, mas aproveitar e manter os bons talentos.
Em tempos de crise, o CFO poderá, por exemplo, liderar a negociação junto à empresa no intuito de destinar parte dos recursos provenientes da redução do quadro de pessoas para motivar quem ficou, e até trazer novos talentos mais experientes ou adequados à nova situação.
O CFO enfrentará muitas barreiras e terá que contorná-las. Porém, se conseguir de forma hábil associar parte da recuperação da empresa (o bem-sucedido “turnaround”) à atuação da área financeira terá o devido reconhecimento e recompensas.
Mas fica também o alerta: observamos que na grande maioria dos projetos de “turnaround” realizados, em que a empresa recorreu a um consultor externo, o CFO não foi capaz de lidar com a gravidade do problema. Ou pior: era capaz tecnicamente, mas se acomodou e não quis enfrentar as “vacas sagradas” quando devia, ou então aceitou passivamente os primeiros “nãos” da administração para mudar o que era preciso.
Não deixe a impressão de ser o cão que ladra muito, mas não morde. Ao longo do tempo, suas sugestões tenderão a ser sistematicamente ignoradas. Seja enfático(a), preparando-se muito bem antes.
Vimos casos em que o CFO conhecia muito bem e já havia mapeado os problemas, porém não soube vender as mudanças para a alta administração ou acionistas. Ou então, estes não deram a importância devida no tempo correto. Depois do leite derramado, ninguém quer ouvir o “eu te disse”.
Com o passar do tempo – e especialmente durante as crises- esses problemas indesejados voltam para assombrar a empresa como cadáveres escondidos em armários. Ao final, quando os problemas ressurgem, há sempre a busca aos responsáveis. Eventualmente o próprio CFO poderá ser responsabilizado, mesmo com todos os esforços passados em alertar a empresa.
Em tempos de crise, há sempre uma luta para manter as posições e infelizmente muitas vezes esse jogo pode ser mais desagradável do que gostaríamos, como já observado repetidas vezes.
Então, fica a dica final: seja proativo(a) nas mudanças. E, se a empresa consistentemente não aceitar suas sugestões, questione-se se vale a pena correr o risco, do ponto de vista profissional, de continuar. Não caia na tentação dos planos de retenção, bônus a longo prazo, gordos benefícios, etc., em troca de toda uma carreira promissora.
Crise é tempo de oportunidades, e de decisões difíceis.
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