Por Sérgio Diniz, fundador e presidente da Triple A – Advisor e membro da Diretoria Vogal do IBEF SP. Colaboraram: Luis Felipe Schiriak, conselheiro do IBEF SP, e Daniel Levy, vice-presidente do IBEF SP.
A atual situação econômica do Brasil vem afetando as empresas duramente, nenhuma novidade, é de conhecimento comum. Porém, quais os riscos que os executivos, sejam eles CEOs, CFOs, CXOs, ou mesmo Conselheiros, enfrentam, do ponto de vista de suas carreiras? Nosso objetivo aqui não é um artigo técnico, sobre a legislação vigente ou abordagem teórica, mas repartir algumas situações práticas enfrentadas por executivos.
A crise atual exacerba alguns dos conflitos tradicionais entre acionistas e entre estes e a administração. Como diz o ditado popular, “em casa onde falta pão, todo mundo briga e ninguém tem razão”. Não é diferente no mundo dos negócios, especialmente quando os mesmos não vão bem.
Poucos eventos destroem mais valor para o investidor do que um conflito entre acionistas controladores. O impacto sobre o management da empresa é extremamente negativo e o CFO (ou CEO, ou CXO) corre o risco de ficar no “fogo cruzado”, tendo o dever de manter uma posição equânime, independente da sua opinião sobre o motivo do conflito. Tais conflitos podem se estender a ações legais e o executivo tem que tomar todos os cuidados com o tratamento equânime das informações e sua comunicação, em especial o CFO, exigindo um alto grau de maturidade.
Mesmo sob pressão para atingir os resultados, os executivos – e notadamente os CFOs – devem manter certo nível de conservadorismo em suas decisões
Nessas situações, é fundamental o alinhamento entre os executivos, especialmente entre o CEO e o CFO, respeitando todos os stakeholders da empresa, de forma a “blindar” a organização (e seus executivos!) dos efeitos nefastos de tais disputas e o impacto delas sobre o valor da empresa (e da reputação dos executivos!).
Riscos relativos a acionistas não-residentes
Esses são riscos muitas vezes ignorados por executivos que trabalham em empresas multinacionais. Alguns apenas despertam quando já é tarde demais.
Expliquemo-nos. Algumas vezes, em momentos de crises (ou mesmo fora deles!), empresas multinacionais, que muitas vezes desconhecem ou ignoram os riscos legais e profissionais que seus associados locais estão sujeitos, tomam decisões unilaterais visando apenas sua própria proteção, “jogando aos leões” seus executivos locais. Quando são estrangeiros, esses executivos muitas vezes têm a opção pessoal de voltar aos seus países de origem e deixar para trás a bagunça tupiniquim, mas os executivos brasileiros não têm essa opção, há toda uma vida construída aqui, profissional e familiar.
Ouvimos há algum tempo o testemunho de um colega executivo, conhecido no mercado, que foi durante um período CEO da operação local de uma gigantesca multinacional de telecomunicações e de renome mundial. Em uma mudança interna no staff e na estratégia corporativa, seu novo boss no exterior decidiu que a operação no Brasil não era mais viável e decidiu simplesmente fechá-la de um dia para o outro. Até aí tudo bem, faz parte da estratégia. Mas o problema foi o “como”.
Em resumo, a operação local, que ainda não se sustentava só e dependia dos aportes da matriz, os quais foram simplesmente suspensos, deixou de honrar seus compromissos, inclusive impostos e encargos. Após certo período, a Receita Federal não apenas autuou a empresa, como seu CEO e representante estatutário ficou com o CPF bloqueado. Não apenas isso: dados os volumes de impostos teoricamente não pagos, a polícia foi acionada e o referido executivo passou vários meses se escondendo, dormindo em hotéis e não podendo voltar para casa sob o risco de prisão.
Enfim, após várias tratativas, ele convenceu a empresa lá fora dos erros cometidos aqui e a situação foi resolvida, mas a insônia e outras marcas ficaram. Felizmente, o mercado soube do ocorrido e que os fatos eram alheios à vontade deste executivo, que hoje felizmente está de volta ao mercado, em posição de muito destaque em uma grande corporação.
Ações contra executivos podem ocorrer anos após sua saída da empresa
Outro caso similar que testemunhamos foi o de uma multinacional de tecnologia afetada duplamente, tanto por perdas na operação local como por um mercado global em recessão após a crise dos anos 2000. A matriz tirou o foco do Brasil e nunca foi capaz de vender a operação local ou enviar recursos financeiros, acabando por simplesmente fechar a mesma, deixando os executivos remanescentes com vários problemas junto à Receita Federal. Um deles, inclusive, faleceu de ataque fulminante após alguns anos, ainda jovem: difícil não associar uma coisa à outra.
Mesmo executivos estatutários que já não trabalhavam mais na empresa no período de encerramento sofrem até hoje junto às autoridades tributárias para provar que certas obrigações acessórias haviam sido cumpridas à sua época, uma vez que quando a empresa fechou as portas, a matriz deixou de pagar a empresa responsável pelo arquivo da documentação fiscal, que acabou desaparecendo. Isso impediu os executivos de provarem sua inocência de uma vez por todas, e gerou muitos desgastes e gastos com advogados.
A lição: mesmo que o executivo saia de uma operação com problemas, há o risco de nos próximos cinco anos alguém fazer uma bobagem que o afete posteriormente. Ninguém pensa muito nisso, mas acontece.
Testemunhamos outro caso de multinacional, prestes a vender a operação deficitária local que, momentos antes de fechar a venda, pressionou os executivos locais a abrirem mão formalmente dos bônus de anos anteriores como condição para fechar o negócio com o novo comprador, diminuindo assim os passivos da empresa para facilitar a operação. A alternativa era a não venda, que resultaria em pedido de Recuperação Judicial (RJ) ou até falência, o que afetaria a carreira dos executivos.
Neste caso, a matriz sabia exatamente as leis e riscos locais e os usou como moeda de barganha. Difícil dizer quem estava errado, pois parte das perdas em exercícios anteriores talvez pudessem, ou não, ser atribuídas à gestão de tais executivos. Então, se você acha que vai sair de uma empresa em dificuldades levando uma bolada, fique atento.
Ainda no final do ano, testemunhamos o caso de um potencial cliente que nos procurou pedindo auxílio. Sua empresa foi vítima tanto de erros estratégicos no país quanto da crise no setor de eletrodomésticos, onde atuavam, com grande queda nas vendas e nos resultados. Até então, a matriz vinha cobrindo os prejuízos até que, em determinado momento, vendeu a divisão toda a um fundo de investimentos de perfil agressivo. Em pouco tempo, o fundo simplesmente informou que não enviaria mais recursos e que a operação local deveria pedir RJ ou falência, sem tempo para os executivos se prepararem. Infelizmente, como já era tarde demais para podermos recuperar a empresa, não fomos adiante.
O Seguro D&O não é apenas um benefício para o executivo: deve ser uma exigência!
Temos, infelizmente, vários outros casos a relatar, mas fica o alerta.
Como mitigar os riscos?
Mesmo sob pressão para atingir os resultados exigidos pelos acionistas, os executivos – e notadamente os CFOs – devem manter certo nível de conservadorismo em suas decisões, ao mesmo tempo em que exploram novas fronteiras, sempre atentos aos marcos regulatórios e aos fundamentos dos negócios. O entendimento profundo do negócio é “a marca do CFO”.
Um artigo da Revista Você S/A de outubro de 2016, intitulado “Tranquilidade para as grandes decisões” mencionou o crescimento da demanda no mercado local pelo seguro D&O (Directors & Officers Liability Insurance), utilizado para proteção dos bens pessoais dos executivos no caso de ações judiciais no período de sua gestão. Hoje esta proteção não é mais, ou nunca foi, um benefício: deve ser uma exigência!
Temos alguma experiência profissional na área de seguros e podemos dar alguns alertas:
Primeiro, a maioria dos executivos hoje apenas se certifica de que existe uma apólice, mas poucos vão além e procuram de fato verificar as coberturas e guardar consigo uma cópia da apólice. Lembre-se: ações contra executivos podem ocorrer anos após a saída da empresa! Além disso, os atos de fraude ou má-fé não estão cobertos.
Segundo, mesmo que seus bens estejam cobertos – isto é, o valor deles poderá ser ressarcido, assim como os gastos jurídicos com a defesa -, a dor de cabeça não está coberta. Veja o caso citado acima de nosso colega CEO da empresa de telecomunicações. Tranquilidade, como diz uma famosa propaganda, “não tem preço!”.
Então, só resta aos executivos avaliarem, com muito carinho, dedicação e frequência, os riscos a que estão expostos. Estarem antenados ao que acontece no mercado, e não com a cabeça enterrada o tempo todo no trabalho. Se fazer de avestruz não resolverá o problema.
O que muitos esquecem é da máxima dos seguros: quem compra, dificilmente quer usufruir da apólice. Que o diga quem tem seguro de vida!
Leia também em: https://ibefsp.com.br/riscos-profissionais-dos-executivos-na-relacao-com-acionistas/